terça-feira, 29 de maio de 2012

Ensino a distância invade o campo

AGRONEGÓCIOS Notícia da edição impressa de 28/05/2012
Ensino a distância invade o campo
Curso de Ensino a Distância da Ufrgs leva ao campo conhecimentos capazes de fomentar a cadeia rural em municípios com economia voltada ao agronegócio. Da sala de aula virtual à atuação profissional, alunos descobrem uma oportunidade para qualificação
Rafael Vigna
ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Klauck dissemina os conhecimentos adquiridos durante o curso na região de Picada Café
Klauck dissemina os conhecimentos adquiridos durante o curso na região de Picada Café
Em 2006, no interior do pequeno município de Picada Café, mais precisamente em Quatro Cantos, distrito rural localizado a 67 km da Capital, o estudante Sinésio Klauck concluía o Ensino Médio como o único aluno da turma que não prestaria o exame vestibular. “Aquilo me doeu demais”, afirma. Para ele, os horizontes seriam cerrados e as oportunidades ainda mais escassas, não fosse pela iniciativa da Universidade Federal do Rio Grande e do Sul (Ufrgs), que apostou na possibilidade disponibilizada pelo Programa Universidade Aberta, do governo federal, para elaborar um modelo de Ensino a Distância (EAD) capaz de romper as barreiras do mapa. A meta era contemplar pelo menos três aspectos cruciais dentro da realidade agrária do Estado: abrangência, regionalização das necessidades e adaptação de conhecimentos aos mercados locais. Hoje, a atividade já vem chamando a atenção de grandes agroindústrias, prefeituras e tem colaborado na resolução de entraves em pequenas propriedades e agroindústrias familiares de treze polos de atuação.
Foi assim, depois de superar etapa por etapa do curso superior de Graduação Tecnológica em Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural (Plageder), que Klauck obteve um salto profissional do ponto de vista pessoal, mas também das prioridades de sua região. Com o currículo em mãos, aos 22 anos de idade, ele bateu à porta do prefeito de Santa Maria do Herval e apresentou um projeto de melhorias. “Era algo que faltava ao município. Um profissional que unisse qualificação, conhecimento e mobilização. Ele gostou da proposta e acreditou no meu potencial”, conta.
Além de assistir às aulas da pós-graduação em gestão pública pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e de técnico em Administração pelo Conjunto Agrotécnico de Pelotas, instituição vinculada ao Instituto Federal Sul-rio-grandense, o jovem coordena a elaboração dos projetos de meio ambiente e rurais na Secretaria Municipal da Agricultura. Uma das áreas que mais se destaca é a sensibilização dos produtores para a participação em feiras de agronegócios e o acompanhamento de convênios e contratos firmados pela prefeitura.
Sem deixar de lado a continuidade da formação acadêmica, o único estudante laureado entre os 240 egressos da primeira turma do Plageder ainda enfrenta as mesmas dificuldades e depende do polo de Picada Café para conseguir utilizar a internet, pois no local onde reside não há sinal para acessar a rede. 
O caso de Klauck pode não ser o único, mas sintetiza a principal meta pregada na criação do Plageder. O coordenador do curso, o professor Lovois Miguel, explica que a escolha dos 13 polos do Estado não foi aleatória.
“A ideia era não ficar em Porto Alegre e dispersar o curso de desenvolvimento rural pelo Interior”, analisa.
Segundo ele, a formação - fundamentada no mesmo modelo da pós-graduação - é voltada à constituição de agentes do desenvolvimento rural capacitados em projetos e na organização de agricultores locais. “Formamos gestores e, muitas vezes quando íamos ao Interior, não encontrávamos capacidade para dialogar de forma mais técnica sobre assuntos importantíssimos ao setor. Este é o nosso foco, a formação de pessoas que inseridas em uma comunidade, pudessem articular toda a cadeia rural”, revela.
Por isso, o currículo contempla três níveis prioritários de trabalho: Propriedade Rural, Gestão de Agroindústria e Coletividades Locais. No curso, todos têm atividades programáticas e estágios dentro destas áreas.  E não faltam exemplos capazes de comprovar o sucesso da iniciativa pioneira, programada para apenas uma edição, mas que abrirá o terceiro processo seletivo no segundo semestre deste ano e deve se tornar o primeiro curso regular de EAD da universidade. Na opinião de Lovois, não faria sentido oferecer o Plageder presencialmente.
“Depois de 100 anos, a universidade que concentra os estudantes em Porto Alegre passará espalhar seus alunos para todas estas regiões e isso é muito produtivo. Se fosse necessário o deslocamento, dificilmente as pessoas voltariam aos seus municípios de origem, o que é uma das causas da estagnação econômica do Interior do Estado. Assim, eles continuam atuando onde já estão”, assegura. 
Ele ainda destaca que, da forma como foi montado, os custos de realização são bastante inferiores aos de uma atividade presencial. Na primeira edição, quando foi preciso elaborar a maior parte do material disponibilizado, eram necessários cerca de R$ 2,4 mil por aluno. Nas demais turmas, a proporção do valor pôde ser reduzida para R$ 1,6 mil. “Criamos o curso com a ideia de poder atender a pessoas que não teriam condições de frequentar a um curso superior, em razão do deslocamento”, analisa. O único gasto dos alunos é com a inscrição no processo seletivo realizado em cada um dos polos. Todas as demais etapas, inclusive os conteúdos acadêmicos oferecidos, são gratuitas.

Tutores adquirem experiência docente em meio aos cursos

Como a formação é concentrada junto ao Centro de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE), que realiza levantamentos de índices de preços e também centraliza o programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR), mestrandos e doutorandos podem atuar como tutores do Plageder. Assim, os acadêmicos da Ufrgs também sentem os benefícios de uma troca que envolve conhecimento específico das realidades regionais de cada um dos polos.
A estrutura é formada por sala de web conferências, isolamento acústico para a gravação de materiais e também a defesa de teses dos formandos, explica a coordenadora de Núcleo EAD, Tania Cruz. Além disso, tutores a distância, vinculados aos professores formadores, trabalham no conteúdo de uma disciplina ou área. Com carga horária semanal de 20h, cada disciplina conta com seis tutores a distância para atender as dez turmas de 30 alunos. Os tutores presenciais complementam o quadro com o atendimento nos laboratórios instalados em cada um dos municípios.
A doutoranda com formação em Geografia Andressa Ramos Teixeira afirma que curso prevê uma integração entre os alunos e os tutores. Com atuação a distância, junto aos polos de Constantina e São Francisco de Paula, ela destaca o conhecimento das especificidades regionais, principalmente, para o seu objeto de estudo: o turismo rural.
“Esta integração permite um conhecimento mais profundo da realidade de cada município e o curso chega a municípios muito pequenos. São conhecimentos adquiridos dentro da área do desenvolvimento rural com realidades mais específicas. O exercício de explicar e repassar os conhecimentos vai muito além da leitura e do aprendizado. Quando é preciso repassar, ele fica muito mais enraizado. Intermediar o conhecimento de maneira escrita é ainda mais desafiador. O curso é voltado para a nossa área e só vem acrescentar e aprimorar aquilo tudo que já desenvolvemos na pós-graduação”, comemora.
O contato é feito via moodle, uma ferramenta de software livre que permite o trabalho colaborativo e a realização de fóruns. Por isso, ainda é preciso estimular os alunos no debate de temas propostos em um ambiente virtual que concluem o conteúdo programático e as atividades presenciais. “Ao longo do curso fazemos muito o papel de professores mesmo. Temos os professores conteudistas, que estruturam o material, as disciplinas, organizam os textos e nós realizamos o intermédio destes conteúdos com os alunos”, elucida.
Outro aspecto que merece a atenção de Andressa é a possibilidade de participar da elaboração dos conteúdos e a orientação de monografias, que considera, muitas vezes, uma vitória pessoal. Isso porque, segundo ela, não é incomum que os alunos apresentem dificuldades para elaborar um trabalho de “maior fôlego”.

Atividade chama a atenção de grandes agroindústrias

Quando a direção da Sadia tomou conhecimento de que dois de seus funcionários estavam matriculados no Plageder, o departamento de Recursos Humanos foi designado a acompanhar o desempenho de Adilson Jamir Räder e Loidemar Maier. Ambos trabalhavam na planta de Três Passos com o corte de carcaças em um dos frigoríficos. Na metade do curso, foram promovidos a um cargo administrativo e, depois de formados, alçados a posição de técnicos extensionistas. Os rendimentos, conforme explica Räder, também acompanham a evolução dentro da empresa e, atualmente, o trabalho exercido está relacionado com uma espécie de consultoria realizada em saídas de campo junto aos produtores integrados da região.
“É uma assistência aos pequenos produtores da Sadia. O acompanhamento durante o curso foi feito via Recursos Humanos. Eles chagavam inclusive a nos liberar do trabalho nos dias de aula, sem cortes, e nos permitiram a realização de estágios dentro da própria empresa. Isso foi fundamental para mostrar trabalho e dar início à ascensão profissional, por meio dos estudos de caso que foram aproveitados como atividade programática do curso e da empresa.”
Na Camil, em Itaqui, não foi diferente. Ao saber da implantação de um curso com o padrão Ufrgs na região, o gerente-geral da empresa, Jairo Barbosa, teve a certeza de que se tratava de uma oportunidade para a qualificação da mão de obra local e abriu as portas da planta da Fronteira-Oeste do Estado aos alunos do Plageder. “Os funcionários sempre são incentivados a buscarem a formação. Quando se opta pela graduação, a visão é ampliada. Sentimos muito o reflexo disto na operação industrial, porque gradativamente a automação toma conta de todos os ramos. No nosso caso, com o beneficiamento de grãos é semelhante. Usamos muito seletores eletrônicos e tecnologia de ponta para quadros de comando. Se torna mais importante entender de todo o processo do que apenas operacionalizar”, garante o diretor que possui dois egressos do curso em cargos de supervisão.
Um dos estudantes que aproveitou a chance para cumprir 130 horas de estágio na Camil foi Edilmar Trindade. Hoje, ele atua em um escritório rural, e os conhecimentos adquiridos na prática, segundo ele, podem ser adaptados à realidade de qualquer negócio de menor porte. “Antes, conhecia o arroz no prato e algo da lavoura.
Agora, acompanhar os processos de beneficiamento é fundamental, pois todo o conhecimento na prática é perfeitamente transferível para empresas de menor porte focadas em outras áreas. Para a minha área de atuação, foi um verdadeiro leque que se abriu. Tanto na parte ambiental, quanto na comercial, que envolve os custos, a operacionalização e a compreensão de como estes elementos se inserem dentro da cadeia”, assegura.

Primeiros colocados e 61,2% dos aprovados no último concurso da Emater são do Plageder

Os cinco primeiros colocados na Classificação Geral do último Concurso da Emater para o Cargo de Extensionista Rural de Nível Superior são egressos e alunos do Plageder. Além disso,  61,2% dos aprovados para as 116 vagas passaram pela formação a distância promovida pela Ufrgs nos polos do interior do Estado. O primeiro colocado, Juliano Pörsch, de Três Passos, já trabalhava no órgão e agora aguarda pela nomeação. Ele destaca a facilidade de acesso, em razão da experiência promovida pela universidade. “A qualidade dos professores, as disciplinas atrativas, a divisão de aulas presencias periodicamente e a atuação dos professores e tutores ao longo dos quatro anos de curso foram fundamentais”, conta.

Os 13 polos abrangem a todas as regiões do Estado

Arroio dos Ratos (13,6 mil habitante – a 48 km da Capital - Metropolitana de Porto Alegre)
Balneário Pinhal (11 mil habitantes – a 95 km da Capital - Litoral Norte)
Cachoeira do Sul (83,5 mil habitantes – a 160 km da Capital – Região Central)
Camargo (2,5 mil habitantes – a 186 km na Capital - Noroeste Rio-grandense)
Constantina (9,7 mil habitantes – a 307 km da Capital - Noroeste Rio-grandense)
Itaqui – 39 mil habitantes – a 525 km da Capital – Fronteira oeste)
Picada Café – (5 mil habitantes – a 66 km da Capital – na Serra)
Quaraí – 23 mil habitantes – a 503 km da Capital – na região da Campanha)
São Francisco de Paula – 20 mil habitantes – a 90 km da Capital – Região Nordeste
São Lourenço do Sul – 43 mil habitantes – a 164 km da Capital - Sudeste Rio-grandense)
Santo Antônio da Patrulha – 40 mil habitantes - a 72 km da Capital - Região Metropolitana
Três de Maio – 23 mil habitantes – a 263 km da Capital – Região Noroeste)
Três Passos – 23 mil habitantes – a 388 km da Capital – Região Noroeste)
Texto atualizado às 17h32.

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